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domingo, 22 de novembro de 2015

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ATÉ QUANDO?

A sua Excelência o Senhor
Governador Paulo Câmara
Governo do Estado de Pernambuco

Salvador, 18 de novembro de 2015.
Ref: 73/2015.
Assunto: Carta aberta de repúdio a atos de intolerância religiosa praticados por pastores evangélicos que são representantes políticos da cidade de Petrolina em face da escultura denominada “Mãe D’água”.
Senhor Governador,
Primeiramente venho cumprimentar V. Ex.ª e congratulá-lo pela vitória nas eleições e desejar muito sucesso durante seu mandato. A liderança de V. Ex.ª representa para a população de Pernambuco uma segurança na manutenção das conquistas sociais e do diálogo com as instituições do Governo do Estado.
A Casa de Oxumarê, comunidade religiosa que eu represento, no cargo de Babalorixá, é um dos mais antigos e tradicionais Candomblés da Bahia, situado na cidade de Salvador, cuja história remonta ao início do século XIX e é marcada pela resistência social e cultural do povo negro. Além de ser o templo matricial de uma grande Comunidade religiosa espalhada por todo o país e pelo exterior e conta hoje com mais de mil terreiros descendentes. A Casa de Oxumarê também é uma Instituição comprometida com a luta contra a intolerância religiosa, e pela valorização do patrimônio cultural afro‐brasileiro. Por esses motivos, dentre outros, foi reconhecida como sendo território cultural afro‐brasileiro pela Fundação Cultural Palmares, em 2002, como patrimônio do Estado da Bahia pelo IPAC, em 2004, e como patrimônio nacional pelo IPHAN, em 2014.
Dito isso, não poderia olvidar, tampouco deixar de me manifestar acerca da recente notícia de que os pastores José Kenaidy e Jorge Ancelmo, em evidente ato de intolerância religiosa, impetraram uma representação junto ao Ministério Público Federal a fim de que seja promovida a retirada da estátua conhecida como Mãe D’Água instalada às margens do Rio São Francisco no município de Petrolina.
Historicamente intolerantes religiosos tentam mascarar seus atos de discriminação e de intolerância por várias maneiras. Hoje em dia esses intolerantes preconceituosos, sob o pretexto de questões de legalidade e de violação dos chamados preceitos constitucionais de garantia, praticam seus atos pautando-se na laicidade do Estado Brasileiro.
Vale lembrar que aqui no Estado da Bahia, por diversas vezes e constantemente, experimentamos a exteriorização do preconceito religioso por determinados setores e seguidores das igrejas  neo pentecostais. Apenas para exemplificar, cito o caso do pastor candidato a deputado federal Elionai Muralha pelo PRTB que em sua campanha eleitoral defendeu a retirada dos monumentos representante dos Orixás instalados no Dique de Tororó. Como também, o projeto apresentado pela vereadora Cátia Rodrigues (PROS) que propôs a colocação de um monumento representando a Bíblia nesse mesmo local. Felizmente nenhuma dessas ideias prosperaram.
O caso em tela que ora faço referência é, em seu aspecto geral, idêntico aos acima citados.
De acordo com o que mencionei alhures, na data de 06 de novembro do corrente ano, em evidente ato de intolerância religiosa, os pastores José Kenaidy e Jorge Ancelmo protocolizaram uma representação junto ao Ministério Público Federal na qual solicitam que seja retirada a estátua chamada de ‘Mãe D’água’ (por fazer referência à Iyemanjá) que fora instalada às margens do Rio São Francisco.
Tal estátua, entendo, possui uma significação que transcende a questão religiosa. É necessário observar que esse monumento representa a cultura e o folclore do povo ribeirinho daquela região, muito embora seja associada, talvez pelo sincretismo, ao Orixá Iyemanjá (Orixá feminino que representa as águas) cultuado pelas religiões de matriz africana. Pois, se assim não o fosse, essa escultura não teria recebido outros nomes como o de “Iara”, por exemplo.
Mister se faz ressaltar que esses monumentos não possuem uma representação direta de divindades cultuadas pelas religiões de descendência africana. Digo isso porque não são objetos de adoração utilizados pelas pessoas que professam essas religiões. Tem, sim, um caráter cultural que é muito mais abrangente.
Deste modo, não podemos considerar como símbolos sagrados ou representação religiosa direta tudo aquilo que já faz parte da cultura do povo brasileiro e que faz alusão a algum tipo de crença divina. Se assim o for, teremos que começar mudando o próprio nome do rio no qual está localizada a estátua. Pois, não poderá continuar se chamando “São Francisco”, nome de um santo católico. O que seria um absurdo!!
Outro exemplo de imagem que possui uma representação religiosa indireta e que está exposta ao público em território da União é o “Cristo Redentor”, localizado no Parque Nacional da Tijuca - Serra da Carioca - que é, inegavelmente, um dos principais cartões-postais do país. Assim, se utilizarmos a mesma argumentação dos pastores em sua representação ao MPF, o “Cristo Redentor” deverá ser retirado daquele local por fazer referencia à religião católica, uma vez que o Estado é laico e não é admitido possuir símbolos religiosos em seus espaços públicos. Repito, seria um completo disparate!!
Desta feita, Senhor Governador, é evidente que a representação formalizada pelos pastores junto ao MPF possui caráter discriminatório e de intolerância religiosa, uma vez que a motivação para o pleito de retirada da estátua ‘Mãe D’água’ se dá exclusivamente por esta ser um símbolo associado ao Orixá Iyemanja cultuado nas religiões de matriz africana.
Destarte, em nome da Casa de Oxumarê, em carta aberta, venho repudiar veementemente esses atos, por flagrante preconceito e intolerância religiosa contra as religiões de descendência africana, bem como solicitar à Vossa Excelência que tome as providencias necessárias no sentido de minimizar as recorrentes discriminações e os costumeiros ataques, sejam eles por quais meios forem, que vem sofrendo todos aqueles adeptos dessas crenças.
Por favor, receba na ocasião os meus mais sinceros votos de elevada estima e distinta consideração.
Respeitosamente,
Sivanilton Encarnação da Mata (Babá Pecê)
Babalorixá da Casa de Oxumarê

Caio Roberto da Silva Cortez
OAB/SP Nº 283.173
GT Jurídico da Casa de Oxumarê
Avenida Vasco da Gama, n˚343, Federação, Salvador. Bahia. Brasil. CEP:40230.731. Tel.+55 (71) 32272859. secretaria@casadeoxumare.com. www.casadeoxumare.com.br

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